sexta-feira, maio 23, 2014

Eleições Europeias: Porquê abstenção?





 Votar é um dever cívico, atiram-nos constantemente à cara. Mas já que falamos de deveres cívicos, e os eleitos porque não cumprem com os seus deveres cívicos estando ao serviço do bem-comum e premiando quem tem mérito e não os burros de sempre? Familia, amigos, camaradas ou irmãos ou o que quiserem chamar-se uns aos outros. Já alguém lhes exigiu que cumprissem o seu dever cívico? Votar também é um direito, aliás é sobretudo um direito. Pois bem, nestas eleições este vosso amigo prescinde desse direito e passa a explicar porquê. É importante salientar que não votar também é um direito. Para além disso muitos dos que vão ao escrutínio nem sabem no que vão votar ou como decorre o processo nem quem são os candidatos. Pois, mas isso não interessa, não é mesmo? O que interessa é votar «bem». Nem mesmo relativamente às eleições autárquicas a população conhece o processo, o que levou a que aqui no Pedra no Chinelo se desse a conhecer tudo o que era preciso saber para muita gente não cair em embustes e contos do vigário.
 Neste caso concerto, a maioria dos eleitores sabem sequer quais as competências do Parlamento Europeu? E o que fazem os eurodeputados? Qual a actividade que os eurodeputados portugueses desenvolveram no último mandato? Como se posicionaram nas mais diversas matérias? Algum eleitor conhece as propostas e as listas, e mais concretamente, o cabeça de lista? Alguma sessão do plenário europeu já foi transmitida e alguém assistiu? Algum candidato repetente ou partido representado no Parlamento Europeu explicou que tomadas de posição entretanto teve?
Essas são as questões que devem ter presentes todos aqueles que estão a pensar ir votar Domingo, sob pena de votarem inconscientemente. É essencialmente por grandes camadas da população eleitoral votar de forma inconsciente que chegamos onde chegamos. Pior que não votar é votar inconscientemente. Naturalmente que essa doutrina é a que mais serve ao sistema e cabe-nos a nós combatê-la firmemente.
Mais do que fundamentar a abstenção, o que a seguir se vai elencar também serve para esclarecer aqueles que pretendem ainda assim ir votar no próximo Domingo, dia 25.

Vamos à primeira questão. Os portugueses votam para as eleições europeias, os eurodeputados apanham o avião para Bruxelas e Estrasburgo e entretanto nos últimos cinco anos nunca mais se ouve falar deles -  exceptuando o programa na RTP 2, onde os eurodeputados portugueses convidados debatem. Já agora, alguém ainda se lembra em quem votou em 2009?
A segunda questão prende-se com a campanha que os partidos políticos desenvolve, nomeadamente aqueles que têm representação (PSD, PS, CDS-PP, CDU e BE). Nunca se ouviu nesta campanha - nem nas outras - explicarem a actividade que os seus eleitos ali desenvolveram, nem falarem de Europa. Limitaram-se a falar de política interna, da Troika e pouco mais.
Podiam por exemplo ter dito que «Metade dos eurodeputados portugueses não abdica de viagens em executiva» - um deles o actual cabeça de lista da Aliança Portugal (PSD + CDS-PP), Paulo Rangel, sim, os paladinos da austeridade. Sabia, caro leitor?
Outra questão que foi notícia na imprensa esta semana prende-se com o sentido de voto. O importante a reter dessa notícia é o facto dos eurodeputados portugueses preferirem o grupo político ao país. De salientar que, ao contrário do parlamento nacional, a disciplina de voto é proibida no Parlamento Europeu. Ainda assim Portugal segue a política de sempre - a política do «bom aluno», expressão que vem dos governos cavaquistas, o aluno obediente seguindo a mesma doutrina; uma política sempre constante e omnipresente desde 1987 - votando sempre a favor da Europa sem um esgar de irreverência ou rebeldia. Os eurodeputados preferem a família política ao país. Isso tem um nome.  Sabiam, os que vão votar, disso? Porventura disseram isso em campanha? O que é ainda mais curioso, é que os partidos portugueses adoptam posições contrárias às que adoptam cá. Por exemplo, enquanto cá PSD  e PS têm sentido de voto diferente, na Europa votam em conjunto exactamente nas mesmas matérias em que cá divergiram. Este artigo do Diário de Notícias é bem explícito sobre esse ponto.

Vamos agora passar à questão de decidir. Muitos dos que defendem a ida às urnas argumentam que os eleitores vão decidir e o que é ainda mais curioso, é eles próprios pensarem que vão decidir. Ora isso não é verdade. Lamento desiludir mas estão tão enganados. Vejamos:

Antes de mais, alguém sabe quantos eurodeputados tem o Parlamento Europeu e quantos eurodeputados elege Portugal?
Pois bem, o Parlamento Europeu é composto por  766 deputados eleitos nos 28 Estados-Membros da União Europeia alargada. O número de eurodeputados que cada Estado-Membro elege é proporcional ao números de habitantes do país. Portugal elege apenas 22 eurodeputados. Ora fazendo as contas, Portugal pesa apenas uns irrisórios e insignificantes 2,9%. (Quem quiser saber mais clique aqui).
 Portanto quem pensa que vai decidir o que quer que seja...
Mas vamos ainda mais além e ver o peso que cada um de nós, eleitor, tem na dita decisão. Na verdade, as eleições onde cada eleitor tem mais peso é nas locais. A eleição do presidente da junta e da assembleia de freguesia é onde o voto de cada um mais pesa e onde cada voto conta - o actual presidente da junta de freguesia do Torrão teve a sua eleição dependente de apenas 33 votos. O peso de cada voto na eleição da câmara e assembleias municipais já é menor mas ainda assim suficientemente forte. A eleição do parlamento nacional faz-se por círculos eleitorais coincidentes com o distrito. Já no que toca ao Parlamento Europeu no caso de Portugal é a soma de todos os votos a nível nacional que conta. Os votos serão depois convertidos em mandatos de acordo com o Método de Hondt - já falado também neste blog. Ora como se pode ver, à medida que a eleição vai sendo para órgãos cada vez mais distantes do eleitor mais o seu peso eleitoral se vai diluindo. E como o número de eleitores é enorme, um voto individual pesa praticamente zero. É como uma gota no oceano ainda para mais quando  a diferença entre partidos é da ordem das centenas de milhares de votos. Uma eleição é um sorteio, uma lotaria e os resultados aleatórios embora se conheça relativamente bem a tendência de votos graças a sondagens mas essa será matéria para outro artigo. Sabe-se também porque o eleitor vota sempre igual.
Mas vamos fazer a matemática da coisa. Segundo dados de 2009, estavam inscritos em Portugal 9.704.559 eleitores ora tendo em conta isso e tendo em conta que nestas eleições só há um circulo: Portugal, o peso relativo de cada eleitor é (não vos assustais) 0,0000001. Grande poder de decisão, assim já à partida, não haja dúvida. E só estamos a falar de Portugal - e tendo em conta o peso de Portugal no parlamento da UE. Mas não esquecemos que são mais de duzentos milhões de eleitores que vão votar Domingo. É a votar que mudamos a Europa e, ainda para mais, com a maioria a votar sempre da mesma maneira? Não parece.
 Mas vamos imaginar que em Portugal se verifica uma taxa de abstenção (63,22%) igual à de 2009. Ainda assim o voto de cada eleitor é 1 em cada 3.568.943 ou seja, o seu voto pesa, 0,0000002. Nem assim a ordem de grandeza se alterou (décimas de milionésimas).
Por fim, a diferença entre as votações nos partidos que conseguiram eleger eurodeputados em 2009.

PPD/PSD - 1.131.744 votos (8 eurodeputados)
PS - 946.818 votos (7 eurodeputados)
BE - 382.667 votos (3 eurodeputados)
CDU (PCP-PEV) - 379.787 votos (2 eurodeputados)
CDS-PP - 298.423 votos (2 eurodeputados)

Como se pode ver, a diferença do primeiro para o segundo dos partidos mais votados é de 184.926 votos. Ainda assim, a diferença é de apenas 1 eurodeputado. Nestas eleições é provável que troquem de posições (o eterno rotativismo) - Os cerca de 200.000 votos que oscilam entre um e outro. O primeiro lugar serve apenas e só como vitória moral. Outra conclusão que se pode tirar é que a diferença média entre os partidos é como se esperava da ordem dos 208.330 votos - a tal gota no oceano. Sabendo-se que o panorâma não se deve modificar significativemente desengane-se quem pense que vai mudar o que quer que seja com o seu voto.


E para o fim o melhor, falta ainda ver a outra parte sobre a qual se tenta passar ao lado. Qual o preço do nosso voto e quais as benesses dos eurodeputados?

Nunca é demais saber, quem está a pensar ir Domingo ás urnas, que cada voto vale 3,61€ (para o respectivo partido). Com os votos brancos ou nulos acontece exactamente a mesma coisa. Neste caso, o valor é a dividir pelas diversas forças em função das percentagens de voto. É assim que o Estado paga aos partidos. Ainda acha que vai votar de borla?

Vamos agora ver quanto nos custa um parlamentar europeu:
-  7.956,87 euros de subsídio mensal bruto;
- 4 299 euros por mês para despesas gerais ("este subsídio destina-se a cobrir despesas no Estado-Membro de eleição, como, por exemplo, os custos de gestão do gabinete do deputado, as despesas de telefone e de correio e os custos de aquisição, funcionamento e manutenção de computadores e equipamento telemático");
-  4 243 euros de subsídio anual de viagem (além do pagamento das despesas de deslocações para as reuniões oficiais 
- 304 euros diários a título de "subsídio de estadia" ("para cobrir despesas de alojamento e despesas conexas por cada dia que os deputados ao Parlamento Europeu compareçam em reuniões oficiais, desde que assinem um registo para atestar a sua presença. Este montante cobre as despesas com hotéis, refeições e outras despesas conexas.")
-152 euros pela comparência em reuniões realizadas no exterior da UE (desde que o deputado assine o registo de presenças, sendo as despesas de alojamento reembolsadas separadamente).
Para além disso, há ainda mais 21.209€ mensais (para cada um dos 766 eurodeputados, e em particular, para os 22 portugueses) que o Parlamento Europeu paga a colaboradores, ou a prestadores de serviços de consultoria, escolhidos pelo eurodeputado (família e amigos, como é óbvio).
E assim é tão mais fácil perceber porque tantos cobiçam uma vida em Bruxelas e Estrasburgo. Está a pensar ir votar? E já pensou com qual dos felizes contemplados com a sorte grande vai contribuir?


E por fim, há ainda uma questão que não é de desprezar. O voto em eleições europeias até hoje tem sido apenas para eleger representantes para o Parlamento Europeu mas e quantas vezes foram os portugueses chamados a pronunciarem-se em referendo sobre questões europeias? ZERO. Em vinte seis anos de adesão à comunidade europeia, nem uma só vez sequer os portugueses foram chamados a pronunciar-se sobre o que quer que fosse. Nem adesão à CEE, nem adesão ao Tratado de Maastricht, nem adesão ao euro, nem adesão ao Tratado de Lisboa. Nada. A lógica é votem em «nós» que «nós» e só «nós» decidimos. Então se dão tanta importância às eleições e se é um dever cívico porque não são chamados os portugueses a referendo constantemente - nomeadamente sobre questões europeias - como na Suíça?
Portugal tem aderido a tudo e mais alguma coisa, numa lógica seguidista, acrítica e acéfala sem discussão interna, sem debate, sem ponderação e agora estamos no estado em que estamos. Nem todos os Estados-Membros dizem sim a tudo. Há estados que não aderiram ao euro, por exemplo.

Para terminar e como corolário, referir que a abstenção é uma arma fortíssima. Votar, ainda que seja branco ou nulo é pactuar com o sistema. É pactuar com a pouca vergonha, com a pulhice, com a incompetência, com a promiscuidade, com a ignorância da maioria dos eleitos, com o desemprego, com os salários de miséria, com a precariedade, com as mordomias de Bruxelas e Estrasburgo, pagas a peso de ouro onde austeridade ali é conceito que desconhecem. A título de exemplo, alguém já ouviu a CDU ou o Bloco de Esquerda, sempre tão amigos do povo e dos pobrezinhos, se insurgirem contra tal? Pudera, também lá têm assento e comem da manjedoura dourada lautas pestiscadas - um verdadeiro TACHO DE OURO. Abstenção, deixem-me que vos diga, é uma arma fortíssima pela simples razão de que não há resposta mais fulminante do que o silêncio e não há arma maior que o desprezo e a prova de que assim é é o facto dos agentes do sistema estarem visivelmente incomodados com a abstenção e alguns berrarem pelo voto obrigatório. São posições de alguns tendo por base essa falácia do «dever cívico» que lhes dá força nos seus argumentos e na defesa da sua posição descarada e inaceitável. Repare-se, se votar é um dever cívico porque é que em muitas matérias os deputados faltam ás votações em plenário nos assuntos considerados menos importantes? Se votar é um dever cívico, os deputados assistirem às sessões não é também um dever cívico? Porque é que o parlamento nacional está na maior parte do tempo ás moscas? Do Parlamento Europeu então nem sabemos nada pois nunca vimos transmitida uma única sessão, como já foi referido.
Mais do que um dever, votar é um direito. O maior dever é sim o de participar em contínuo e não apenas votando e depois «descolar». Como? Nomeadamente e em primeiro lugar indo às assembleias de freguesia e municipais e reuniões de câmara (quem o poder fazer). Inquirir, informar-se, estar por dentro, até para quando chegar a hora de votar, o eleitor saber avaliar muito bem e em consciência onde e em quem votar e não limitar-se a votar por simpatias políticas, partidárias ou pessoais ou porque o amigo disse para votar assim ou assado ou porque foram enganados. Esse sim é o maior dos deveres. Esse é justamente o tipo de participação que eles não querem; nenhum deles. Nem os locais. A lógica é: venham votar, tragam a família e os amigos e venham participar e cumprir o dever - em rebanho ou em manada conforme preferir, caro leitor - e depois a ideia é dizer muito obrigado, agora fora que o «bolo» está entregue a «nós»; «nós» agora tratamos do assunto. Acharão  porventura que eles têm prazer em ver «outsiders» nas assembleias e reuniões? Só se for porventura um acéfalo e acrítico que ali se desloca única e exclusivamente para lhes bater palminhas. Pois para esse funesto peditório não devemos contribuir. É um acto de cidadania - e sanidade cívica e social - participar em contínuo e conhecer em profundidade o sistema. No Domingo, o vosso humilde escriba, vai-se pois abster porque entende que o deve fazer fundamentado no atrás escrito, considerando que esse é o cartão vermelho que se tem que mostrar e para isso fica o apelo a todos para ponderarem muito bem essa opção.

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